As origens dos termos genocida e genocídio

O termo genocídio foi cunhado em 1943 pelo jurista judeus polonês Raphael Lemkin, que combinou a palavra grega genos (raça ou tribo) com o termo em latim cide (matar). Após testemunhar os horrores do Holocausto, no qual foram mortos quase todos os membros de sua família, Lemkin passou a defender o reconhecimento do genocídio como um crime na lei internacional.

 

Ilustração de genocida
Daniel Arce Lopez/BBC.

 

Seus esforços foram fundamentais para a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948.

O texto entraria em vigor em 1951, sendo depois ratificado pelos países.

O artigo 2º da convenção define o genocídio como:

  • qualquer um dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, parcial ou totalmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
  1. Assassinato de membros do grupo;
  2. Dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
  3. Submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial;
  4. Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
  5. Transferência forçada de menores de idade do grupo atingido para um outro.

Há no entanto, grandes divergências sobre como definir um genocídio e, por extensão, sobre quantos genocídios ocorreram no século 20.

Para alguns, só houve um genocídio no século passado: o Holocausto, durante o qual foram mortos mais de 6 milhões de judeus, além de adversários políticos, negros, homossexuais, pessoas com deficiência, comunistas, testemunhas de Jeová, integrantes da etnia roma e outras minorias.

Outros afirmam que houve, além do Holocausto, pelo menos outros dois genocídios segundo os termos da convenção da ONU de 1948: o assassinato em massa de armênios por turcos otomanos entre 1915 e 1920, uma acusação que a Turquia nega; a morte em Ruanda de cerca de 800 mil pessoas (Tutsi, Twa, e Hutus moderados) em 1994.

Mais recentemente, outros casos foram acrescentados a essa lista por alguns especialistas.

Um deles é o massacre de Srebrenica, na Bósnia, em 1995, que foi considerado um genocídio pelo TPI para a Antiga Iugoslávia.

Outros casos considerados por parte dos especialistas são:

  • a Grande Fome da Ucrânia causada pela União Soviética (1932-33);
  • a invasão do Timor Leste pela Indonésia (1975) e os assassinatos cometidos pelo Khmer Vermelho no Cambodja nos anos 1970, quando estima-se que 1,7 milhão de cambojanos morreram por causa de execuções sumárias, fome e trabalho forçado.

Em relação ao último, há divergências sobre o fato de que muitas vítimas do Khmer Vermelho eram alvo por causa de questões sociais ou políticas, o que os deixaria de fora da definição de genocídio aprovada na ONU.

Além desses casos, em 2010, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu um mandado de prisão contra o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, sob acusação de genocídio.

Ele liderou uma campanha contra cidadãos da região sudanesa de Darfur na qual 300 mil pessoas foram mortas ao longo de sete anos de conflito.

Mais recentemente, em março de 2016, os Estados Unidos classificaram o grupo jihadista Estado Islâmico de promover genocídio contra minorias yazidi, xiita e cristãs no Iraque e na Síria.

“(O Estado Islâmico) é genocida por autoproclamação, por ideologia e por suas ações, no que diz, no que acredita e no que faz”, disse à época John Kerry, então secretário de Estado americano.

Em 2017, a Gâmbia acusou formalmente, na CIJ, o governo do Mianmar de cometer genocídio contra população da minoria rohingya, com operações amplas e sistemáticas de limpeza étnica.

Centenas de milhares de pessoas fugiram para a vizinha Bangladesh, e estima-se que milhares tenham sido mortos.

Mianmar nega a acusação.

Em 2021, os governos de EUA, Canadá e Holanda acusaram a China de cometer genocídio contra o povo da minoria uighur, na região autônoma de Xinjiang, no noroeste do país.

Há evidências de que o governo chinês submeteu uigures à esterilização forçada, ao trabalho forçado, a detenções em massa e torturas e estupros sistemáticos, ações que muitos afirmam que se enquadram no critério de genocídio.

A China nega a acusação.

O TPI, por sua vez, rejeitou o pedido de uigures para investigar formalmente a China sob acusação de genocídio porque o governo chinês não é signatário do tribunal.

Críticas a acusações de genocídio

Entre as principais críticas e objeções à Convenção do Genocídio estão:

  • a convenção exclui grupos sociais e políticos;
  • a definição é limitada sobre atos diretos contra pessoas,
  • exclui atos contra o ambiente em que elas se sustentam ou preservam sua cultura;
  • provar a intencionalidade é extremamente difícil;
  • países-membros da ONU hesitam em acusar outros países ou intervir neles, como foi o caso de Ruanda;
  • não há um corpo de legislação internacional que esclareça os parâmetros da convenção (ainda que isso esteja mudando à medida que o TPI decide sobre acusações de genocídio);
  • é difícil definir o que é “destruição parcial”, e determinar quantos assassinatos configuram um genocídio.

Mesmo com todas as críticas, muitos juristas defendem que dá para reconhecer quando ocorre um genocídio.

Em seu livro Ruanda e Genocídio no Século 20, o ex-secretário-geral da organização Médicos Sem Fronteiras Alain Destexhe diz que o genocídio é um crime em uma escala diferente de todos os outros crimes contra a humanidade e implica uma intenção de exterminar completamente um determinado grupo. O genocídio é, portanto, o maior e mais grave dos crimes cometidos contra a humanidade.

Destexhe se mostra preocupado que os termos genocídio ou genocida se tornaram vítimas de uma espécie de exagero verbal, algo muito parecido ao que ocorreu com a palavra fascista, transformando perigosamente esses termos em lugar-comum.

Michael Ignatieff, ex-diretor do Centro Carr para Políticas de Direitos Humanos da Universidade Harvard, concorda com a avaliação de Destexhe.

Para ele, o termo genocídio passou a ser usado como uma validação de todo tipo de vitimização.

“A escravidão, por exemplo, é chamada de genocídio quando, mesmo sendo uma infâmia, é mais um sistema de exploração do que de extermínio”, afirmou Ignatieff em palestra sobre o tema.

Para além das acusações jurídicas baseadas em evidências ou não, na política o uso da palavra genocídio carrega uma estratégia política parecida com o que ocorre com outros termos, como comunista, fascista ou nazista.

“A função política é a satanização do outro. Você transforma o adversário, em termos discursivos, em uma posição inaceitável de um ponto de vista moral”, diz Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e autor do livro Crônica de uma Tragédia Anunciada: Como a Extrema Direita Chegou ao Poder.

Fonte:

Alain Destexhe- Médico sem fronteira.

Michael Ignatieff, ex-diretor do Centro Carr para Políticas de Direitos Humanos da Universidade Harvard.

Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA.

Organização das Nações Unidas (ONU).

BBC Brasil.

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