Autocoleta para HPV ajuda na prevenção, mas não substitui outros exames

A possibilidade de fazer um teste de HPV em casa, sem depender de agendamento nem se submeter à posição ginecológica, é muito bem-vinda. Desde meados do ano passado, essa já é uma realidade no Brasil, embora restrita à rede de saúde privada por enquanto.

Dispositivo de autocoleta de amostra para teste de HPV. Existem outros dispositivos…

 

Mas, diferente do que faz parecer, a alternativa não substitui exames tradicionais como papanicolau e colposcopia.

Primeiro, é importante elucidar alguns pontos:

*Não se trata de um autoteste.

O nome adequado é AUTOCOLETA, porque a pessoa apenas colhe o material em casa e o envia ao laboratório para realizar o teste que identifica a presença do DNA do vírus.

É diferente do AUTOTESTE de covid-19, por exemplo, em que se vê o resultado na hora.

*Precisa de pedido médico.

A partir da solicitação, a pessoa pode fazer a coleta convencional ou a autocoleta.

O profissional médico pode direcionar qual é o método ideal para o acompanhamento da pessoa.

*O resultado tem limite.

O exame só indica se houve ou não infecção por HPV então, a depender do caso, outros exames são necessários para entender o que aquele resultado significa.

“Só quem vai dizer se o HPV causou prejuízo são outros tipos de exames, como papanicolau e colposcopia para ver onde tem lesão — ou biópsia.” Leonardo Testagrossa, coordenador do Departamento de Anatomia Patológica do Hospital Sírio-Libanês (SP).

*Recurso para rastreio e prevenção

Além do conforto, a autocoleta vem principalmente, para ampliar a participação das pessoas no rastreamento para prevenção do câncer de colo de útero.

A infecção por HPV é o principal fator de risco para a doença, que pode ser evitada com vacinação e diagnóstico precoce do contágio.

Por isso existe a recomendação de fazer papanicolau periodicamente.

O Ministério da Saúde recomenda que mulheres entre 25 e 64 anos que já iniciaram atividade sexual realizem o exame, inicialmente, uma vez por ano.

Após dois resultados normais consecutivos, pode ser feito a cada três anos.

Porém, um levantamento da Fundação do Câncer com base em dados de 48.047 mulheres mostrou que 6,1% delas nunca realizaram o preventivo.

Destas, 45,7% estão na faixa de 25 a 34 anos.

A pesquisa utilizou microdados da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) de 2019.

O perfil de quem nunca fez o exame é de:

  • mulheres com baixa escolaridade (56,9%)
  • baixa renda (70,7%)
  • que se definem como não casadas (73,9%)
  • autodeclaradas negras ou pardas (62,5%)

Medo, vergonha, falta de tempo e não ter um plano de saúde estão entre os motivos que impedem as mulheres de realizar o preventivo.

Nesse cenário, a autocoleta torna-se um recurso de fácil adesão.

Entre as vantagens, estão:

  • Comodidade: o exame pode ser feito em casa, pela própria pessoa, no momento mais conveniente. Facilita para quem sente incômodo ou vergonha durante a coleta feita por profissional da saúde.
  • Inclusão: pelo mesmo motivo anterior, pessoas transgênero podem se sentir mais confortáveis para realizar a coleta.
  • Alcance: o kit compacto é mais fácil de transportar até regiões onde o acesso à medicina especializada é escasso ou não há profissionais suficientes para fazer a coleta.
  • Tempo: o material coletado dura até 30 dias, período em que pode ser armazenado e enviado ao laboratório.
  • Autoconhecimento: a coleta permite que a pessoa explore o próprio corpo e tenha autonomia sobre ele.

Cuidado com o resultado

A profissional que fez a reportagem, foi convidada a testar o método como parte da campanha #EscolhaCuidar, da BD (Becton Dickinson).

O kit chegou em sua casa com instruções ilustradas de como realizar a autocoleta, que não deve ser feita durante o período menstrual.

Higienizar as mãos e ficar numa posição confortável para realizar a coleta é fundamental.

Há diferentes modelos de kit, um mais parecido com cotonetes alongados e outro cujo formato faz lembrar uma seringa.

O que seria o êmbolo da seringa é uma haste com uma espécie de escovinha na ponta.

Depois de retirá-la do tubo, sem encostar na ponta, é só inserir na vagina até a posição indicada.

É preciso girar a haste algumas vezes para fazer a coleta do material no colo do útero.

Após retirar a haste do corpo, é só retorná-la para o tubo e para a embalagem original, que deve ser enviada ao laboratório.

Segundo a reporter, não doeu, praticamente não sentiu a haste, mas a percepção é individual.

Como ela foi fazendo cada etapa conforme lia as instruções, o processo durou dois minutos.

Mas certamente seria mais rápido se fizesse sem pausas.

Foi tão simples que ela se questionou: será que fiz certo? Será que o resultado será correto?

“A sensibilidade na autocoleta é muito semelhante à sensibilidade da coleta feita pelo médico”, afirma Adriana Bittencourt Campaner, chefe do setor de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia da Santa Casa de São Paulo.

Sensibilidade é a capacidade de o método fazer um diagnóstico preciso, e pesquisas confirmam a equivalência da autocoleta com os exames citológicos tradicionais.

Em Indaiatuba, interior de São Paulo, um estudo mostrou, em resultados preliminares, que o diagnóstico de câncer nas mulheres que fizeram teste de DNA-HPV foi antecipado em dez anos, em comparação à média de tempo do método tradicional.

Mas para um resultado correto, a médica reforça os cuidados necessários, como utilizar um teste validado e colocar a amostra no recipiente indicado para armazenamento e transporte.

“Não pode pegar um cotonete qualquer.”

O infectologista Ivo Castelo Branco alerta: uma coleta inadequada pode levar a um resultado falso-negativo.

“O fato de fazer teste, dizer que não tem nada e não procurar atendimento pode protelar um diagnóstico com consequência grave”, diz ele, que é coordenador do Núcleo de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da UFC (Universidade Federal do Ceará).

Além de câncer de colo do útero, a infecção por HPV pode desencadear câncer de orofaringe que abrange língua, boca e garganta se infectar as mucosas dessas regiões.

O Hospital Sírio-Libanês passou a oferecer a autocoleta após confirmar, em pequeno estudo, que o método não interfere nos resultados.

“É um método muito sensível. A partir de poucas cópias do vírus, ele já detecta. Pode detectar sem que o vírus tenha se incorporado no DNA da célula”, afirma Testagrossa.

Até mesmo por isso é importante completar a investigação com outros exames, porque um resultado positivo destrava outras discussões, como o preconceito em torno das ISTs (infecções sexualmente transmissíveis)

“Você dá um teste positivo, e a pessoa busca de quem pegou, mas nem sempre é de quem ela acha. Tem de ter muito cuidado, o estigma das ISTs é muito grande”, diz Castelo Branco.

Cenário preocupante

Segundo a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), o câncer de colo do útero mata 35,7 mil mulheres a cada ano nas Américas, sendo que 80% dos casos ocorrem na América Latina e no Caribe.

Nestas regiões, a doença é a principal causa de morte entre mulheres.

“É inaceitável que uma doença prevenível mate tantas mulheres”, disse Álvaro Soto, gerente geral da Roche CCAV (Caribe, Centroamérica e Venezuela) durante o Roche Press Day 2023, do qual a reportagem participou a convite da Roche Brasil.

Na ocasião, especialistas do México e do Chile expuseram o quanto a sobrecarga de tarefas, o estigma e a barreira geográfica, muitas vezes associada à desigualdade social, impedem o rápido diagnóstico e tratamento do tumor.

Apesar de a autocoleta ser promissora, o teste precisa chegar às pessoas.

Por enquanto, está disponível apenas na rede privada, mas os estudos, a adesão e as vantagens podem colaborar para a incorporação da tecnologia ao SUS.

“A BD acredita que, pela conveniência, facilidade da coleta e qualidade da amostra, a autocoleta para detecção do HPV é adequada para ser adotada pelo sistema público, a partir da demanda dos órgãos de saúde”, disse a empresa em nota.

No começo de fevereiro, após consulta pública, a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) recomendou a incorporação do teste molecular à rede pública de saúde.

A publicação do parecer final no Diário Oficial está prevista para o próximo mês.

Depois disso, há um prazo de 180 dias para a disponibilização da tecnologia

“Esse período será dedicado à estruturação do processo de implementação do teste no SUS, mediante o desenvolvimento da Diretriz Nacional para o Rastreamento do Câncer de Colo de Útero. A diretriz é baseada em evidência científica que visa nortear as melhores condutas na área da oncologia, considerando a necessidade de atualização dos parâmetros do câncer de colo de útero no Brasil e de diretrizes nacionais para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento das pessoas com esta doença, informou Maria Penha, gerente de acesso da Roche Diagnóstica.”

Como prevenir

Campaner lembra que a infecção por HPV e o desenvolvimento das doenças que o vírus causa são preveníveis em dois aspectos:

Vacinação: a vacina quadrivalente, que protege contra os quatro tipos mais frequentes do vírus, está disponível no SUS para meninos e meninas de 9 a 14 anos de idade, com esquema de duas doses.

Pessoas de 9 a 45 anos que vivem com HIV/Aids, transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea, pacientes oncológicos e pacientes imunossuprimidos também podem se vacinar.

Na rede privada de saúde, há uma vacina contra nove tipos do vírus.

Rastreio: fazer exames periódicos, conforme recomendação.

“Não é um ou outro. Tem de tomar vacina e e rastrear”, reforça a médica.

 

Fonte:

Ministério da Saúde.

Leonardo Testagrossa, coordenador do Departamento de Anatomia Patológica do Hospital Sírio-Libanês (SP).

Adriana Bittencourt Campaner, chefe do setor de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia da Santa Casa de São Paulo.

Núcleo de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da UFC (Universidade Federal do Ceará).

Infectologista Ivo Castelo Branco.

Maria Penha, gerente de acesso da Roche Diagnóstica.

 

 

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