Depressão pós-parto acomete 25% das mães brasileiras

Especialistas comentam dados de uma pesquisa britânica, segundo a qual uma em cada dez mulheres apresenta dificuldades em criar vínculos com seus bebês, uma realidade também presente no Brasil.

 

A depressão pós-parto acomete cerca de 25% das mães brasileiras no período de seis a 18 meses após o nascimento do bebê – Foto: Freepik.

 

Um recente estudo realizado pela fundação britânica Parent-Infant revelou que uma em cada dez mulheres apresenta dificuldades em criar vínculos com seus bebês.

A mesma pesquisa revelou que cerca de 73% dessas mulheres não recebiam orientações sobre como aumentar a conexão afetiva nessas relações, contando apenas com um simples direcionamento para tentarem se ligar emocionalmente com as crianças como forma de promoção de um desenvolvimento saudável para o bebê. 

Os dados da pesquisa se aproximam de uma realidade marcante no Brasil: a depressão pós-parto.

Atualmente, ela acomete cerca de 25% das mães brasileiras no período de seis a 18 meses após o nascimento do bebê.

Jacqueline Isaac Machado Brigagão, docente de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, explica que é essencial diferenciar a depressão do baby blues para a compreensão da temática. 

Depressão perinatal 

Em primeiro lugar, a especialista explica que, atualmente, o termo depressão perinatal é mais utilizado para a definição dessa condição, já que existem alguns estudos que demonstram que, em muitos casos, os sintomas estão presentes desde a gestação.

“É um cuidado que as empresas devem ter com a saúde de suas gestantes.” Silânia Costa, Enfermeira do trabalho.

A distinção entre a depressão perinatal e o baby blues também é essencial; Jacqueline comenta que durante a gravidez, a mulher passa por muitas mudanças hormonais, físicas, emocionais e sociais.

O parto também envolve um esforço fisiológico e psíquico intenso, então é comum que a mulher experimente emoções variadas. 

*Assim, a mistura entre um sentimento de tristeza e cansaço, denominado de baby blues — é comum, não patológico e pode durar até duas semanas.

Se essa situação se estender por um período maior, a especialista explica que é provável que o caso seja identificado como depressão pós-parto.

Os principais sintomas dessa condição são:

  • ansiedade,
  • dificuldades nas relações com o bebê,
  • sentimentos de inutilidade e culpa,
  • insônia ou excesso de sono,
  • lentidão no jeito de agir,
  • agitação incomum,
  • pensamentos recorrentes de morte,
  • entre outros.

“É importante a gente pensar que esses sintomas não precisam estar todos presentes para que haja um diagnóstico”, adiciona.

Romantização 

Entre os diferentes fatores que colaboram para a complicação da saúde mental materna, a romantização em excesso da maternidade parece ser um dos que apresentam relação direta com o desenvolvimento de alguns transtornos psicológicos.

Renata Pereira de Felipe, pesquisadora do Instituto de Psicologia da USP, comenta que as mulheres são socializadas desde cedo para cuidar.

“Há uma romantização da gravidez, do parto, do puerpério e mesmo da criação de uma criança, onde se vende a ideia de que esses acontecimentos envolvem muita felicidade para todas as partes envolvidas, principalmente para a mãe”, explica a especialista.

Renata reforça ainda que é preciso lembrar que esse momento é um período do ciclo vital feminino que, por ser muito sensível, pode estar associado ao surgimento de problemas emocionais nos pais principalmente nas mulheres.

A maternidade compulsória é outra temática importante associada à questão:

“Hoje em dia, 37% das mulheres não desejam ser mãe, de acordo com o estudo feito por Daniele Fontoura e Valeska Zanello publicado em 2022. As razões para a não maternidade vão desde o não desejo de mudanças corporais e possíveis riscos no parto até questões mais existenciais como a necessidade de liberdade, solidão e de ter tempo para si mesma”, discorre Renata.

Para a mudança das condições atuais, repensar o tipo de socialização que reduz às mulheres a função de cuidado parece ser essencial.

É também importante a compreensão de que a construção de vínculos entre mãe e bebê não pode ser feita da noite para o dia, com base em algum manual ou fórmula mágica, assim, compreender esse processo pode tornar o caminho mais fácil tanto para a mãe como para a criança.

“O que a gente observa na prática e nas pesquisas é que, se a mãe tem uma boa rede de suporte nestes primeiros meses de vida do bebê, os vínculos entre ela e ele são facilitados”, declara Jacqueline Brigagão.

Acompanhamento psicológico 

Segundo a obstetra, a melhor ajuda que pode ser oferecida para as mães de recém-nascidos é garantir que elas tenham uma rede de apoio.

Sendo também  fundamental que os profissionais de saúde estejam atentos e possam identificar os primeiros sinais de depressão perinatal para que uma avaliação com profissional especializado possa ser realizada. 

Renata Pereira explica ainda que, para o tratamento da depressão perinatal, indicam-se os mesmos métodos empregados no tratamento de depressões gerais correntes em outros períodos do ciclo feminino, tais como acompanhamento psicoterápico ou psiquiatra.

“O acompanhamento psicológico e psiquiátrico é fundamental para auxiliar mulheres com depressão pós-parto e sem depressão pós-parto, mesmo quando não há uma queixa específica quanto ao melhor tipo de apoio. Além do apoio psicológico especializado, o apoio social vindo dos parceiros — mães, amigos e parentes e a própria empresa onde ela trabalha é fundamental para que essas mulheres se sintam acolhidas”, declara. 

Por isso, uma escuta ativa, individualizada, sem julgamentos morais de como uma mãe deve se comportar e desprovida de comparações é muito necessária.

“Se alguém em sofrimento, seja essa pessoa qual for, te procura, o conselho geralmente é que inicialmente você escute essa pessoa”, fala Renata e Silânia Costa.

Vínculos 

A compreensão de que a criação de vínculos com o bebê é um processo também é essencial para o entendimento acerca da temática.

A pesquisadora explica que não há uma forma de garantir que essa conexão seja criada, contudo, existem algumas intervenções que podem ser feitas para melhorar essa relação.

“É importante lembrar que a maioria da população não tem acesso, tempo e recursos para buscar um tratamento psicológico/psiquiátrico ou a buscar um tipo de intervenção específica, por isso, é importante que a gente sempre pense e estude em quais vereadores, deputados estaduais e federais, senadores e presidentes nós votamos. Aqui eu faço um apelo para que a gente vote sempre em políticos comprometidos com o tema da saúde materna e infantil, para que certos tipos de acolhimento cheguem ao maior número de pessoas que precisam”, finaliza Renata.

Jacqueline explica que tanto o governo federal quanto os governos subnacionais, estados e municípios, devem desenhar e implementar políticas públicas que focalizem a saúde mental materna.

Segundo a professora, às vezes a gente tem leis muito bonitas no papel que não se concretizam em ações no cotidiano.

Por isso, a importância de enfatizar e implementar, para que estas leis se transformem em serviços e em ações concretas no dia a dia.

Para a especialista, as políticas públicas podem abranger três dimensões diferentes:

  • a primeira seria a promoção do investimento em campanhas de educação para desmistificar esse tema e conscientizar a população geral;
  • a segunda seria a garantia de que todas as mulheres no pré-natal e no pós-parto tenham acesso às informações e orientações sobre a depressão;
  • e, por fim, a garantia de tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) de um modo organizado e acessível.

Faz-se também importante a notificação dos casos atendidos para que a presença de números confiáveis sobre quantos casos ocorrem todos os anos no Brasil sejam estudados pelos especialistas.

 

 

Fonte:

Jacqueline Isaac Machado Brigagão, docente de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

Renata Pereira de Felipe, Psicóloga.

Silânia Costa, Enfermeira do trabalho.

Jornal da USP.

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