Dizer não, algo tão simples e tão complexo

Por que dizer não é tão difícil para nós? A negação é uma das primeiras mensagens que aprendemos a comunicar e ainda assim, uma das que mais nos custam transmitir e entender.

 

Dizer “não”, algo tão simples e tão complexo
Sr. GARCÍA

Por que é tão difícil dizer não, sobretudo quando está claro que isso pode nos livrar de apuros?

Saber dizer não, suas implicações e o que a negação expressa em cada uma das situações são desafios que temos de enfrentar nos diferentes estágios de nosso desenvolvimento.

Isso é o que nos mostra o filósofo Wilfried Ver Eecke em seu livro Saying No: Its Meaning in Child Development, Psychoanalysis, Linguistics, and Hegel, com o exemplo das crianças pequenas que fazem exatamente o contrário do que lhes pedem os pais, que costumam dizer:

“Nosso filho é um verdadeiro diabinho”.

Um comentário para o qual não é incomum a resposta:

“Se ele não for assim agora, quando crescer não será ele mesmo”.

Por que as crianças dizem tanto não?

Uma razão é que o escutam muito.

Joan Manuel Serrat destaca isso na canção Esos Locos Bajitos: Niño, deja ya de joder con la pelota/ Niño, que eso no se disse/ Que eso no se hace/ Que eso no se toca – Filho, para essa bola já tá enchendo, isso não se diz, isso não se faz, não é pra mexer nisso.

Eles realmente não toleram ser forçados à passividade, expressam sua oposição e, assim que desenvolvem a capacidade de expressar seus próprios julgamentos, com a possibilidade de dizer sim ou não podem discutir e negociar.

O não dos pequenos é um sinal de força.

Outro exemplo apontado por Ver Eecke é quando os jovens se rebelam, e os mais velhos, em vez de adotar uma atitude conciliatória com as manifestações de negatividade dos adolescentes, ofuscam a visão e dizem que os jovens não têm nada melhor a fazer com seu tempo.

O filósofo cita outro caso comum entre adultos, quando em um evento social, nos mostram uma bandeja com bebidas alcoólicas e enfaticamente, as rejeitamos com um gesto de mão porque precisamos dirigir um veículo após a reunião.

Na realidade, não se trata somente de uma questão de força de vontade individual.

Poderíamos especular que, neste caso, seria possível aumentar a força do indivíduo para poder dizer não se o restante da comunidade fosse firme em enfatizar a importância de não dirigir sob a influência do álcool.

Em exemplos como esses vemos o benefício de dizer não.

No entanto, há outras circunstâncias em que a vontade de dizer não se debilita, nos confunde e nos coloca naquilo que o filósofo Albert Camus chama de entre o sim e o não, como quando achamos difícil decidir se nossas suspeitas têm fundamento ou distinguir entre a fantasia e a realidade.

Sigmund Freud trata da questão no ensaio intitulado A Negação, no qual propõe que esta pode ser mais reveladora do que uma observação afirmativa, como quando alguém diz:

“A mulher no meu sonho não é minha mãe e nos dá a chave da verdade essencial que foi reprimida: na verdade, é sua mãe. Freud conclui que a dificuldade de dizer não deriva do fato de que no inconsciente não existe esse conceito”.

O não nos leva de volta às origens da linguagem, talvez seja uma das primeiras mensagens que comunicamos.

O psicanalista e pioneiro nos estudos do desenvolvimento Rene A. Spitz, em seu livro O Não e o Sim: A Gênese da Comunicação Humana, propõe que a partir do momento em que o recém-nascido, com um movimento da cabeça, consegue se distanciar do seio da mãe, ocorre a primeira manifestação da negatividade.

O equivalente a essa expressão é observado no adulto quando vira a cabeça de um lado para o outro para indicar negação.

Dizer não também nos remete aos antecedentes míticos de nossa cultura , Adão e Eva desafiaram, Édipo transgrediu e nos confronta com a necessidade de aceitar que existem limites.

Ao fazer isso, aderimos à lei que rege a vida comunitária.

O psicanalista Jacques Lacan centraliza suas teorias neste princípio fundamental e sustenta que é precisamente a aceitação do limite imposto pela negatividade o que nos permite funcionar dentro da realidade.

O não afirma nossa individualidade, distingue o que não somos do que somos e opera como o negativo de uma fotografia, sem o qual ela não existiria.

Paradoxalmente, a negatividade tem um efeito afirmativo.

Os braços da Vênus de Milo são um exemplo: não estando presentes na estátua, acentuam sua identidade.

Então, como explicar a dificuldade que frequentemente enfrentamos ao não poder dizer não na vida cotidiana, no trabalho, dizer não ao sexo quando alguém o demanda, ou não à Internet?

Lacan o relaciona com o desafio de aceitar o limite e suas consequências.

É importante considerar que nos momentos em que a capacidade de dizer não se enfraquece e nos paralisa, nos faz temer a rejeição, antecipar que perderemos o emprego ou a estima da pessoa a quem negamos algo, talvez estejam em jogo mecanismos inconscientes de repressão.

Embora obviamente exista a possibilidade de ocorrer o que tememos, há alguma maneira de facilitar esse não se estivermos convencidos, mas não nos atrevemos?

Nessas encruzilhadas, é essencial parar e analisar as consequências do que realmente queremos, para poder aceitar isso intelectual e emocionalmente e poder agir de modo coerente com a nossa vontade, se for necessário dizer não.

Fonte:

El Pais Brasil.

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