Medo de contaminação e tensão dentro dos presídios estão entre as queixas. Em 30 dias, confirmações da Covid-19 em presos e servidores subiram 82%.

Com a pandemia do coronavírus, o medo tomou conta do dia a dia dos agentes penitenciários do sistema prisional brasileiro.
Medo de ser infectado, de levar o vírus para casa, de levar o vírus para dentro das prisões.
Mas a covid-19 também trouxe um efeito colateral, muitas vezes invisibilizado: três em cada quatro agentes tiveram a saúde mental afetada, principalmente pelo distanciamento social e pelas condições precárias de trabalho.
Segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, atualizados na última segunda-feira, 6.378 servidores do sistema prisional brasileiro foram infectados pelo coronavírus e 68 morreram.
Entre os detentos, o número de casos confirmados é de 13.305, um aumento de 82% de casos em um mês, e 82 mortes.
Os autores do relatório A pandemia do coronavírus e os agentes prisionais no Brasil, lançado nesta quinta-feira 06/08/20 pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB) da Fundação Getúlio Vargas, conversaram com 613 profissionais da polícia penal (a categoria de agentes penitenciários passou a ser incluída na estrutura da polícia no início do ano) de todas as regiões do país para entender como está a rotina dentro das prisões.
A pesquisa foi feita via formulário virtual entre 15 de junho e 1º de julho de 2020.
Os resultados, explica Gabriela Lotta, coordenadora do NEB, surpreendem em relação à deterioração do trabalho desses profissionais.
“Esperávamos que a situação fosse estar um pouco melhor em termos de apoio do Estado e suporte para os agentes prisionais em relação ao começo da pandemia”.
Mas, entre os pontos levantados pela pesquisa, poucos indicadores mostraram melhoria.
“Nesses dois meses, o cenário de contágio dentro dos presídios piorou muito e houve aumento da mortalidade tanto dos presos como dos agentes prisionais”.
Segundo o estudo, 87,1% dos agentes conhecem algum colega de trabalho que foi diagnosticado com covid-19 e 67,8% conhecem alguma pessoa privada de liberdade que contraiu a doença.
O medo é constante entre os servidores: 80,3% dos agentes sentem medo do novo coronavírus e quase metade dos profissionais do sistema prisional não receberam EPIs adequados para trabalhar.
Apenas 12,1% dos participantes da pesquisa receberam algum tipo de orientação específica sobre como operar no cenário da pandemia e 73,7% declararam que a pandemia causou impactos negativos em sua saúde mental.
Dos que tiveram impacto na saúde mental, só 5,1% informaram ter recebido apoio institucional para cuidar do seu psicológico.
A tensão no trabalho também aumentou, já que os detentos estão há 4 meses sem as visitas presenciais: 82,2% dos agentes afirmam que as tensões entre as pessoas presas aumentaram.
Em São Paulo, por exemplo, as visitas online começaram só no último domingo de julho, e com muitas falhas.
A grande maioria dos agentes, 69%, aponta que não está preparado para lidar com a crise sanitária e só 39,5% receberam algum tipo de orientação das chefias para lidar com o novo cenário.
A pesquisa também traça um perfil dos 613 agentes que responderam à pesquisa: homens brancos representam 40,8% das respostas e homens negros 32,5%.
Quando dividida por gênero, o levantamento mostra que 75,5% dos agentes são homens (que inclui brancos, negros, amarelos e indígenas) e 20,7% são mulheres.
Do total dos participantes, 11,4% são mulheres brancas e 8,2% mulheres negras.
Cerca de 3% das pessoas preferiram não informar o gênero.
A divisão por região aponta que:
- 47% dos agentes são do Sudeste,
- 18% do Nordeste,
- 17% do Sul,
- 9% do Norte e
- 9% Centro-Oeste.
- O Estado de São Paulo representa 37,3% das respostas gerais.
Para Lotta, alguns problemas notados durante a pandemia são estruturais, como a superlotação, o ambiente insalubre, a falta de profissionais e a falta de transparência de dados.
Outros, como a distribuição dos EPIs (equipamentos de proteção individual), já deveriam ter sido resolvidos.
Mas a pesquisa aponta que 51% dos agentes informaram que não receberam o equipamento.
A saúde mental é o ponto mais preocupante da pesquisa, explica Lotta.
“Esses profissionais estão trabalhando com alto estresse, muito medo, pouco sentimento de preparo para o desenvolvimento do trabalho que realizam. Ao mesmo tempo, não sentem suporte das chefias e do governo e vêm a tensão aumentar dentro dos presídios. Tudo isso gera aumento de depressão, ansiedade e outros impactos para saúde mental. Eles estão em sofrimento”, aponta.
Os agentes apontam que as emoções em relação aos presos são:
- distanciamento e frieza (49%),
- medo (47%),
- indiferença (23%),
- afeto e empatia (17%),
- raiva (10%),
- pena (10%).
Já entre as emoções dos presos, identificadas pelos agentes, estão:
- tensão (66%),
- medo (62%),
- ansiedade e estresse (57%),
- raiva (31%),
- solidão (29%),
- tristeza (26%),
- desesperança (19%).
A alternativa para aliviar a tensão, aponta a pesquisadora, seria o Estado criar formas mais eficazes para que o preso pudesse se comunicar com a família e possibilitasse outros tipos de atividades dentro do sistema prisional, para ocupar o tempo ocioso, já que as atividades convencionais, como trabalhos e estudos, estão suspensas.
Para melhorar as condições de trabalho o fornecimento de EPIs e a testagem são o melhor caminho.
“As práticas de trabalho mudam muito por causa da pandemia no sistema prisional e esses profissionais deviam ser treinados e orientados sobre como atuar durante a pandemia”, explica Lotta.
Problema de saúde mental é anterior à pandemia
Fábio Jabá, presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp), estado com mais mortes entre servidores e presos, aponta que as questões de saúde mental entre os servidores sempre existiu.
“A nossa categoria é muito atingida por doenças mentais, como depressão, síndrome do pânico e outras diversas, uma vez que o nosso trabalho é muito mais mental. Tem essa questão de entender o trabalho, porque nós não temos formação correta para tratar diretamente com o preso. Enquanto o agente não se entende como um profissional, ele sofre. A partir do momento que você tem que lidar com pessoas que cometeram crimes graves e tratá-las com respeito, como a lei manda, é muito complicado”, continua.
Mas, detalha, piorou durante a pandemia, já que, além da ausência de apoio do Estado, é preciso conviver com o medo de trazer a doença para casa ou mesmo morrer.
“A maioria dos companheiros sai de casa, dá um beijo no filho e sabe que pode não voltar”, finaliza.
Fonte:
El País Brasil.