Pressão por metas, medo constante do desemprego, direitos cada vez mais escassos. Tudo isso que já assolava os trabalhadores há anos foi agravado pela pandemia do novo coronavírus.

O resultado é que o Brasil terá de administrar cada vez mais uma legião de adoecidos tanto pela forma de gestão das empresas como pela precarização do trabalho.
O trabalhador adoece cada vez mais na pandemia.
Doutora em Sociologia pela Unicamp, Luci Praun afirma que a pressão por metas é parte do cotidiano de parcela significativa da classe trabalhadora.
“A adoção desse dispositivo resulta dos processos de reorganização do trabalho realizados a partir dos anos 1980-90, baseados em modelos de gestão flexível. Essa gestão flexível introduziu não somente a gestão por metas, mas, além de outros, um dispositivo que opera de forma diretamente articulada às metas, potencializando a pressão sobre os trabalhadores e trabalhadoras: as avaliações de desempenho individuais e coletivas.” Diz.
Autora do livro Reestruturação Produtiva, Saúde e Degradação do Trabalho, Praun explica que essas formas de pressão têm efetividade como parte de um contexto em que há profunda precarização do trabalho.
À pressão por metas soma-se a pressão exercida pelo desemprego crescente, pela perda constante de direitos, baixos salários, enfim, ao ambiente de incerteza e insegurança que perpassa o mundo do trabalho atualmente.
Trabalho em casa
Toda essa pressão somou-se, há mais de um ano, à pandemia do novo coronavírus e à necessidade de ficar em casa para evitar o contágio pela covid-19.
Isso, além de aprofundar pressões já existentes, instituiu outras.
E o trabalhador adoece mais na pandemia.
“Um exemplo pode ser localizado na ampliação do uso do teletrabalho e do home office. Essas formas de organização do trabalho têm incorporado, em muitas situações, os chamados planos de trabalho. Sob o pretexto de que o trabalho está sendo realizado à distância, sem o controle direto da chefia imediata, foi construído o falso argumento da necessidade de estabelecimento de metas a serem atingidas.” Explica.
Praun cita o aumento dos trabalhos por aplicativos, o chamado trabalho uberizado.
“Ele articula não somente a avaliação de desempenho ao cumprimento de metas, mas diretamente a remuneração. Ganha-se na medida em que entrega-se o serviço, e a permanência neste tipo de trabalho também depende da avaliação realizada diretamente pelo consumidor.”
Saúde comprometida
Luci Praun integra o Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses, da Unicamp, e deixa claro: essas formas assumidas pelo trabalho têm repercutido negativamente na saúde dos trabalhadores.
É preciso salientar que as metas estão a serviço de ampliar a produtividade e a intensidade do trabalho.
Menos trabalhadores fazendo muito mais atividades e tarefas que antes.
Sendo assim, elas operam no sentido de retirar do trabalhador o máximo possível no menor espaço de tempo.
Os resultados têm sido a formação de um contingente crescente de adoecidos, homens e mulheres esgotados e inseguros quanto ao futuro.
A médica Maria Maeno, mestre e doutora em Saúde Pública, ressalta que o trabalho remoto representa um passo a mais a aprofundar a impossibilidade de desconexão.
E isso pode piorar a situação em que o trabalhador adoece na pandemia.
“O habitual contexto de insegurança e de medo de demissão se combinam ao do trabalho remoto e potencializam a invasão dos tempos livres pelo trabalho. São ingredientes favoráveis para maiores possibilidades de pressão e adoecimento, com acometimento físico e psíquico. E não se trata de um problema individual, mas de saúde pública que atinge os trabalhadores em escala crescente. Diz a médica.
Quadros agravados
Especialista em Saúde do Trabalhador, Maria Maeno ressalta um outro aspecto importante a ser considerado nesse contexto em que reinam medo da demissão, sobrecarga de trabalho e impossibilidade de desconexão.
“As pessoas com doenças crônicas tendem a diminuir ou abandonar o acompanhamento clínico, o que contribui para o agravamento dos seus quadros. Relevante lembrar que segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2014), 57,4 milhões, que perfazem 40% da população adulta brasileira, tem pelo menos uma doença crônica não transmissível, como diabetes, hipertensão arterial, afecção da coluna e depressão. Essas doenças são responsáveis por 72% das causas de óbitos no Brasil.” Maeno.
Assim, o reconhecimento do peso da atividade laboral em seu desencadeamento ou agravamento, será ainda mais dificultado no trabalho remoto combinado eventualmente com regime de trabalho intermitente.
Segundo a enfermeira Silânia Costa, especialista em Enfermagem do Trabalho e diretora na empresa Mundiblue, essas doença crônica não transmissível, são passíveis de prevenção e infelizmente, devida a grande soma multifatorial e causal, o cuidado com a saúde acaba ficando em segundo plano.
“É muito triste ver pessoas morrendo com doenças que são preveníveis, mas, diante do excesso da atividade de trabalho, o medo de ser demitido, a pandemia, estes, intensificou e muito o que normalmente a maioria das pessoas não fazem: cuidar da saúde física e mental”. Diz.
Governo que atrapalha
As dificuldades decorrentes da pandemia do novo coronavírus em todo o mundo, no Brasil são agravadas pela postura negacionista do governo federal.
Enquanto diversos países lançam pacotes bilionários de incentivo e apoio às pessoas e ao setor privado, o governo federal reduziu a presença do Estado na economia e como provedor das políticas sociais.
Assim, observa o Dieese em seu boletim de conjuntura de março passado, enquanto o trabalhador adoece na pandemia, a atuação do governo afasta qualquer perspectiva futura de recuperação do mercado de trabalho e de desenvolvimento nacional.
A taxa de desocupação ficou em 13,9% no quarto trimestre de 2020 e, na média do ano, alcançou 13,5%, a maior desde 2012.
Eram 13,4 milhões de pessoas procurando trabalho no país, detalha o instituto.
O número de desalentados no quarto trimestre de 2020, pessoas que desistiram de procurar emprego por não acreditarem que vão encontrar uma vaga, alcançou 5,8 milhões de pessoas, alta de 16,1% em relação a 2019 e também o maior contingente da série anual da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o Dieese, esses dados revelam piora em relação aos dois anos anteriores, em decorrência da paralisação de alguns setores, devido à pandemia da covid-19.
No ano passado, a população ocupada foi reduzida em 7,3 milhões de pessoas, chegando ao menor número da série anual desde 2012.
O Brasil saiu, em 2019, de 93,4 milhões de ocupados, o maior contingente da série histórica para 86,1 milhões, em 2020.
Segundo os técnicos do IBGE, pela primeira vez na série histórica anual, menos de 50% da população em idade para trabalhar estava ocupada no país.
Esse fato revela a gravidade do momento que o Brasil atravessa.
E pode piorar
O instituto alerta: diante da retomada do auxílio emergencial em valores inferiores, a evolução do desemprego e as trapalhadas no processo de vacinação contra a covid-19, a situação da economia pode se agravar ainda mais.
Um dos fatores essenciais para o processo industrial é a solidez do mercado de massas, ou seja, a capacidade da população para consumir, articulada com políticas tecnológicas e de inovação.
Nos últimos anos, o mercado interno tem sido sistematicamente afetado pelo desemprego, empobrecimento da população, precarização do trabalho, aprofundamento da desindustrialização etc.
Todo esse processo, amplamente aprofundado com o governo federal, afeta diretamente a produção industrial interna.
Cresceu também o trágico número de famílias em situação de extrema pobreza, o maior desde 2014.
São mais de 14 milhões ou cerca de 39,9 milhões de pessoas na miséria no Brasil.
São famílias que sobrevivem com renda mensal de até R$ 89 por pessoa.
“O país tem uma “bomba-relógio” social. Da parte do governo, não há plano ou estratégia para enfrentar uma crise dessa magnitude”, define o Dieese.
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