População brasileira está envelhecendo: como isso afeta a sociedade e o mercado de trabalho

Os desafios são grandes para sustentar uma população mais idosa. Mas, em vez de paralisia, o branco pode ser apenas a cor dos cabelos de uma força de trabalho mais engajada e produtiva.

 

No Brasil, as pessoas com mais de 60 anos representavam 5,6% da população ocupada em 2012; no ano passado – 2023 passaram a 7,5%.

 

De acordo com o Censo Demográfico divulgado em outubro passado pelo IBGE, há mais de 32 milhões de pessoas com mais de 60 anos no país, quase 16% da população.

As projeções são de que, em 2050, essa parcela seja de mais de 30%: um a cada três brasileiros

Mas o avanço não é simplesmente quantitativo.

Há coisa de poucas décadas, era comum achar que uma pessoa com mais de 60 anos já não deveria estar guiando um carro, porque seus reflexos supostamente mais lentos e elevariam o risco de acidentes.

O número de vagas em estacionamentos portanto, revela não apenas o aumento da taxa de pessoas mais velhas como também a evolução no modo como elas são vistas pela sociedade.

É uma mudança ainda em andamento, e no mundo inteiro.

Embora passar dos cem anos seja um sonho antigo da humanidade, o fenômeno da longevidade abrange inúmeros desafios nas mais diversas áreas.

Eis alguns dos principais pontos:

1 – Uma das causas do envelhecimento da população é que as taxas de natalidade estão caindo em quase todos os países.

De um lado, isso reduz pressões sobre o planeta: o número de habitantes humanos, de acordo com projeções divulgadas no ano passado pela Global Challenges Foundation, uma ONG sueca, deve atingir o pico de 8,5 bilhões entre 2040 e 2050, e cair para 6 bilhões ou 7 bilhões de pessoas ao final do século, dependendo do cenário de políticas públicas adotadas no mundo.

Menos gente significa menos pressão ambiental, menos necessidade de moradias etc.

O outro lado desta moeda é a ameaça de déficit fiscal, pelo decréscimo de população em idade de trabalhar em relação aos dependentes. Uma pesquisa entre 81 países feita pela empresa de análise de dados S&P aponta que, se não houver ajustes nas idades de aposentadoria, o déficit dos governos subirá de 2,4% do PIB em 2025 para 9,1% em 2060.

2 – No âmbito dos próprios indivíduos, o desafio também não é trivial.

Conforme um artigo publicado pela revista Nature em 2021, embora a expectativa de vida tenha subido 55% em sete décadas no mundo, de 47 para 73 anos, hoje as pessoas convivem com doenças e morbidez durante em média um quinto da sua existência.

No Brasil, uma pesquisa feita entre 2000 e 2010 pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) concluiu que, embora a expectativa de vida ao nascer tenha aumentado mais de 3,5 anos no período, os idosos estavam vivendo com menor qualidade de vida, graças a doenças crônicas típicas da velhice.

3 – Além de roubar anos de qualidade de vida, a falta de saúde tem um impacto extra na economia.

Nos Estados Unidos, estima-se que o tratamento de idosos tenha custado aos cofres públicos em 2017 mais de US$ 12 trilhões, 15% do PIB.

4 – A longevidade também tende a agravar desigualdades.

A começar pela própria expectativa de vida.

Um bebê japonês tinha em 2021 uma esperança de vida de 85 anos; na Nigéria, de 52. Nos Estados Unidos, os afro-americanos vivem em média até os 65, enquanto os de origem asiática chegam a 83,5 anos.

5 – Em termos de renda, a idade pesa mais para as mulheres.

Nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), elas recebem pensões em média 26% menores que os homens.

Nos Estados Unidos, um em cada seis idosos afro-americanos vive na pobreza, ante um em cada 15 brancos.

Para mulheres hispânicas, a proporção é de uma para cada três.

6 – Parte dos problemas de saúde advém da solidão e da falta de atividades com propósito.

Enquanto as sociedades envelheciam, também foram enfraquecendo algumas instituições que promoviam encontros e davam sensação de pertencimento, como igrejas, clubes e associações.

O descrédito nas instituições deixa os idosos mais isolados e isso aumenta em cerca de 50% o risco de demência e mortes prematuras, de acordo com estudos da agência de saúde dos Estados Unidos.

Mudanças positivas

Junto com os desafios, a longevidade traz uma série de transformações positivas para a sociedade.

A primeira é que os idosos estão mais ativos.

O site de relacionamentos Coroa Metade, dedicado a pessoas acima dos 40 anos, é um exemplo.

Há 11 anos, havia pouca gente com mais de 60 anos.

“Hoje, eles são 36% dos usuários, diz o criador do site, Airton Gontow. Isso acontece porque os mais velhos já não têm tanta dificuldade com a tecnologia digital e, desde a pandemia, mais disposição para procurar companhia, inclusive romântica e sexual.”

Em termos de políticas públicas também têm surgido boas iniciativas em prol da saúde mental e física dos mais velhos.

Na Coreia do Sul, uma iniciativa da Hyundai, de uma fundação de Seul e do governo federal para requalificar profissionais a partir da meia-idade, chegou ao índice de 65% de recolocação de idosos no mercado, ante 30% a 40% de programas anteriores.

Na África do Sul, o programa AgeWell emprega funcionários seniores para acompanhar e apoiar outros seniores e atingiu 95% de redução nos sinais de depressão entre seus participantes.

No Brasil, já existem mais de 1,9 milhão de donos de pequenos negócios com mais de 60 anos, 10% do total, conforme dados do IBGE.

Também surgiu o fenômeno das seniortechs, startups dedicadas a inovações inclusivas voltadas para a população mais velha.

O primeiro mapeamento, em outubro passado, feito pelo InovaHC, do Hospital das Clínicas da USP, detectou 55 iniciativas.

A tendência é um aumento significativo, uma vez que produtos e serviços voltados para os maiores de 50 anos movimentam R$ 2,1 trilhões por ano no Brasil, de acordo com o IBGE.

Apesar do impacto fiscal do envelhecimento da população, é possível criar um viés positivo para a economia, afirma o economista Andrew J. Scott, professor da London Business School, em artigo para o The Journal of the Economics of Ageing.

Segundo ele, o estímulo à poupança eleva o estoque de capital acumulado e é um importante fator a pressionar pela redução das taxas de juros (por haver mais dinheiro disponível), o que incentiva a produção e o consumo.

Contudo, colher os dividendos de uma população envelhecida não é tão simples.

A tarefa demanda mudanças profundas na sociedade.

A primeira, mais óbvia, é na aposentadoria.

Promessas não cumpridas

“O futuro da aposentadoria será fascinante porque podemos descobrir que os últimos 30 ou 40 anos do sistema no Ocidente terão sido uma exceção. Ocorreu então uma feliz combinação de alto crescimento e aumento da população jovem, durante a qual foi possível permitir às pessoas trabalhar dos 20 aos 55 anos e, ao final desse período, lhes dar uma pensão decente.” diz David Sinclair, diretor do International Longevity Centre, uma organização americana devotada a estudos sobre a longevidade.

Já nos anos 1990 os governos e as companhias empregadoras perceberam que seria impossível cumprir as promessas de aposentadoria.

Começava a pressão para segurar as pessoas por mais tempo no mercado de trabalho.

Até então, o consenso era praticamente o inverso: acreditava-se que o número de postos de trabalho era pouco elástico e os idosos deveriam sair da cena corporativa para dar lugar aos mais jovens.

Agora o pêndulo retorna ao tempo em que era comum trabalhar até quando fosse possível.

No Brasil, as pessoas com mais de 60 anos representavam 5,6% da população ocupada em 2012; no ano passado passaram a 7,5%.

Infelizmente, metade deles (4 milhões) estão em situação informal, de acordo com a mais recente pesquisa do IBGE.

Isso ocorre porque a cultura ainda não mudou.

Um estudo da consultoria EY e da agência de treinamento Maturi, feito em 2022, apontou que 78% das grandes empresas no Brasil não têm políticas para evitar discriminação por idade em processos de contratação.

As companhias também ignoram os mais velhos em suas estratégias de marketing.

A realidade não coincide com o etarismo – nome dado ao preconceito contra os mais velhos.

No ambiente profissional, segundo uma pesquisa da AARP, uma ONG americana que promove a autonomia das pessoas com mais de 50 anos, essa faixa etária é que tem os funcionários mais engajados.

Dados da OCDE mostram que companhias com 10% a mais de trabalhadores mais velhos do que a média apresentam produtividade 1,1% maior.

Talvez isso ocorra porque, segundo a consultoria Mercer, funcionários mais velhos fazem aumentar a produtividade dos que estão à sua volta, pela contribuição de sua experiência.

É verdade que a força física decresce com a idade, assim como decaem a memória e a capacidade de processar informações.

Mas o autor americano Chip Conley, autor de Wisdom at Work: The Making of a Modern Elder – “Sabedoria no trabalho: a criação do idoso moderno”, em tradução livre, classifica os profissionais mais velhos como “trabalhadores da sabedoria”, um grau acima dos tão falados “trabalhadores do conhecimento”.

O exemplo japonês

Uma boa forma de entender como será a sociedade do futuro é visitar o Japão.

Em setembro passado, a parcela de seus habitantes com mais de 75 anos passou de 15%  e as pessoas com mais de 65 chegaram ao recorde de 29%.

Há dois anos, a Sociedade Gerontológica do país sugeriu a reclassificação da faixa entre 65 e 74 anos como “pré idosa”.

Hoje, mais da metade dos japoneses entre 65 e 69 anos está empregada.

*Nem sempre porém, são bons empregos.

E três quartos deles não trabalham porque querem, mas porque precisam.

Isso ilumina o aspecto desigual da longevidade: quem chega melhor à velhice são as camadas mais ricas da população, que têm acesso a melhor nutrição na infância, melhores sistemas de saúde ao longo da vida, menor exposição a riscos ambientais, melhores condições de trabalho e, não menos importante, mais condições socioculturais para adotar comportamentos saudáveis (não fumar, boa dieta, atividades físicas).

Para prevenir esse cenário será necessário adotar um rol de políticas públicas, desde econômicas (reformas previdenciárias, programas de assistência) até físicas (adequação de ambientes na cidade e nos locais de trabalho) e claro, culturais.

É muito provável que elas aconteçam, não só porque o próprio avanço da longevidade aumentará a pressão por elas, mas também porque, como lembra o economista Andrew J. Scott – uma pessoa de 60 anos com uma esperança de vida de mais 25 anos deve tomar decisões diferentes do que uma com esperança de vida de 14 anos extras.

Fonte:

Censo Demográfico divulgado em outubro passado pelo IBGE.

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

InovaHC, do Hospital das Clínicas da USP.

Época Negócios – Ciência e Saúde.

Mundiblue.

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