Annie Duke explica as formas como seres humanos acabam aprisionados em situações ou projetos ruins e apresenta estratégias para a superação do problema
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No dia 3 de junho de 1995, o americano Jeffrey Z. Rubin, especialista em resolução de conflitos, morreu enquanto tentava escalar uma montanha no Maine, Estados Unidos.
Rubin tinha 54 anos.
A montanha, no Parque Estadual Baxter, no norte do Estado, é parte de um circuito de cem picos muito popular entre adeptos do montanhismo.
Amante desse esporte e bastante experiente, Rubin estava perto de vencer mais esse desafio: já tinha escalado os outros 99 picos.
A última pessoa a ver Jeffrey Rubin com vida foi um aluno que escalava com ele, conta a psicóloga Annie Duke, autora de Quit: The Power of Knowing When to Walk Away (em tradução livre, “Desista: O poder de sabermos quando abandonar o barco”)
“Enquanto eles escalavam, baixou um nevoeiro muito espesso, e a visibilidade caiu para praticamente zero. O aluno de Jeffrey disse: acho que não é seguro continuar, melhor não seguirmos subindo. Rubin rejeitou os pedidos do estudante. O aluno decidiu não seguir adiante, mas Jeffrey foi em frente. O corpo dele foi encontrado dois dias mais tarde.”
Trata-se da teoria do entrapment (aprisionamento, em tradução livre), segundo a qual nós seres humanos estamos propensos a ficar aprisionados em situações ou projetos mesmo quando há indícios claros de que continuar insistindo naquilo não será benéfico para nós.
Annie Duke mostra com exemplos as formas como acabamos presos – em montanhas cobertas de nevoeiro, no trabalho, em relacionamentos ou, em contexto mais amplo, em grandes guerras impossíveis de ser vencidas.
Duke também nos ensina a reconhecer falhas no nosso raciocínio lógico que nos impedem de abandonar causas perdidas.
Contrariando o bom senso
Annie Duke explica as formas como seres humanos acabam aprisionados em situações ou projetos ruins e apresenta estratégias para a superação do problema.
Ela descreve um experimento feito por Rubin na década de 1970 que serviu como base para a teoria do aprisionamento.
Ele convidou participantes a preencher um jogo de palavras cruzadas que tinha oito respostas, algumas bastante difíceis.
Cada voluntário receberia US$ 8, independentemente de quantas palavras acertasse.
Rubin pagaria ainda um bônus de US$ 2 para cada resposta correta.
Como auxílio na resolução das perguntas mais difíceis, o pesquisador oferecia aos participantes a opção de consultar um dicionário de palavras cruzadas.
No entanto, havia apenas um dicionário disponível, e quem quisesse usá-lo teria de esperar em uma fila.
Embutida no experimento estava, no entanto, uma condição importante: os participantes tinham tempo limitado para preencher as palavras cruzadas.
Após um certo período, se continuassem tentando responder (em vez de devolver a folha), começavam a perder o dinheiro acumulado.
Ultrapassado o prazo final, os participantes perdiam tudo – inclusive os US$ 8.
A pergunta era, será que eles esperariam pelo dicionário, mesmo correndo o risco de perder os US$ 8?
“Ao final do experimento, ele observou que os participantes preferiram esperar pelo dicionário. Acho que isso é um bom exemplo de que, uma vez que nos envolvemos em algum projeto, nós não desistimos dele. Mesmo quando está muito claro que aquilo nos faz mal.” Diz Duke.
Morte na montanha
Em seu livro, Annie Duke explica que saber que agimos dessa forma não nos ajuda a tomar decisões melhores.
Não ajudou Rubin, por exemplo.
“Ele tinha dedicado sua carreira a estudar o aprisionamento e a escalação da adesão a causas perdidas. Se havia alguém capaz de entender esse problema, e a nossa fenomenal habilidade de ignorar os sinais que estamos recebendo, de que não devemos continuar, esse alguém era Jeffrey Rubin.” Diz.
Rubin, pioneiro no estudo do fenômeno do aprisionamento e escalação de adesão a causas perdidas, decidiu prosseguir rumo ao pico de uma montanha em meio a denso nevoeiro.
*Existem, no entanto, algumas maneiras de nos protegermos dessas armadilhas, explica Annie Duke.
Segundo as observações dos pesquisadores, para que ocorra o aprisionamento é preciso que a pessoa esteja envolvida emocionalmente naquela situação.
Por exemplo, se Rubin estivesse no sopé da montanha e de repente baixasse o nevoeiro, é bem possível que ele não tivesse subido, ela diz.
“Mas ele estava no meio da escalada e queria completar o circuito de cem montanhas. Então, prosseguiu.”
A chave, então, seria adotarmos “mecanismos” de proteção antes de mergulharmos em projetos ou em certas situações.
Um desejo irracional de consertar o passado?
Depois de identificar o fenômeno do aprisionamento, os especialistas se perguntaram que processos mentais estariam por trás dele.
E encontraram erros lógicos na forma como pensamos que atrapalham nossa tomada de decisões.
Um deles é uma armadilha cognitiva que economistas chamam de “sunk costs fallacy” – falácia dos custos irrecuperáveis, em tradução livre do inglês.
Um custo irrecuperável é um dinheiro que já foi gasto e não pode ser recobrado.
A falha cognitiva ocorre quando usamos um valor irrecuperável como justificativa para gastar mais, explica Duke.
Segundo ela, esse tipo de pensamento pode influenciar nossas decisões muito além do mundo das finanças, em diversas situações.
Por exemplo:
- quando decidimos se seria melhor desistir da fila que não anda ou,
- quando nos perguntamos se deveríamos ficar em um emprego ou em um relacionamento que não vai bem.
Fonte:
Annie Duke – Psicóloga e Escritora.
Época Negócios – Futuro do Trabalho.
BBC e BBC News.
Mundiblue.